Artigo da bióloga Patrícia Blauth



Onde eu descarto isso?
Patrícia Blauth[1] 
        
         O lixo nos acompanha. Pouca ou muita, ao longo da história, sempre houve alguma coisinha da qual a gente quisesse se livrar.
         No século passado, com a descoberta de que alguns descartes eram aproveitáveis – aliás, redescoberta, pois há relato de garimpo de resíduos nos lixões em 1896 - o lixo mostrou sua outra cara. E assim passou a ser chamado ora de reciclável, ora de lixo comum.
          Aqui no Brasil, equivocadamente, alguns programas resolveram chamar o lixo comum também de “orgânico”, como se tudo que não é reciclável fosse orgânico. Como se orgânico e reciclável fossem categorias mutuamente exclusivas.
         Por um lado, esta denominação errada contribuiu para diminuir a contaminação do reciclável, pois as pessoas passaram a separar melhor as embalagens dos restos de alimentos (de fato orgânicos). De outro, os cestos para recicláveis passaram a receber tudo o que não é considerado orgânico pela população, mas que também não é reciclável: embalagens laminadas, isopor, panos, barbantes, cordas, borracha, TNT, EVA, lâmpadas, louça, espelhos, etc. E isso vem dando um trabalhão para os catadores e cooperativas que precisam triar o que efetivamente (comercialmente!) pode ser reciclado do que é “rejeito”, ou seja, que ainda não serve para nada.  


Afinal, o que é orgânico?

Para os químicos, orgânico é o material que contém carbono, oxigênio e hidrogênio. Para os biólogos e afins é tudo o que vem de um “organismo”, ou seja, de um ser vivo, animal ou vegetal. “Da jabuticaba ao papa”, segundo Luiz Fernando Veríssimo[2] (rsrs).
Na verdade, dá na mesma. Em ambas as definições um frasco plástico, de polietileno X, Y ou Z, é orgânico: derivado de petróleo, que é dito fóssil, pois já foi vivo, dinossauro. Papel, por sua vez, também é orgânico.

Reparem, então, como temos usado incorretamente este adjetivo...


Esta discussão não é preciosismo técnico...          Em recente conferência realizada em São Paulo, cujo tema central foi a reelaboração participativa do plano de resíduos para a cidade, a Prefeitura apresentou proposta de que, em 20 anos, a cidade alcance e ultrapasse a meta do Plano Nacional de Resíduos Sólidos de não aterrar 70% de todos os resíduos orgânicos”. Excelente!! Mas a quais resíduos orgânicos se refere? Resíduos de cozinha? De jardim? Uma mesa de madeira? Papel e papelão? Papel higiênico? Um tênis feito de algodão e borracha? Enfim, como devo separar meus resíduos para contribuir com a meta?
         Na tentativa de estimular o descarte seletivo mais correto em casa, no trabalho, na escola, propomos deixar de lado as definições baseadas na composição química, na origem ou em certas características físicas dos resíduos, como seco/úmido[1], pois isso não faz diferença. O que importa são os destinos que efetivamente terão nossos resíduos. 
         Portanto, recomendamos a adoção das categorias:
1) recicláveis - resíduos que voltam à indústria
2) compostáveis - resíduos que voltam ao solo, como fertilizante
3) perigosos - resíduos que precisam de tratamento especial, inclusive com responsabilidade do fabricante, comerciante, etc. e
4) rejeito -  aqueles resíduos que ainda “não tem jeito”. (Enquanto não se inventar nada para fazer com ele, o tênis é rejeito.)
         Lembrando que nosso objetivo principal é diminuir o rejeito ao máximo, evitando a necessidade de aterramento, a categoria COMPOSTÁVEIS deve abranger todos os resíduos que não forem aceitos para reciclagem e que forem passíveis de decomposição em tempo determinado, sob condições específicas. São compostáveis no meu apartamento, por exemplo, todas as sobras de cozinha. Já cascas de coco, madeira e resíduos sanitários, que precisam de mais espaço, são perfeitamente compostáveis numa unidade municipal de compostagem.
         Isto significa que os planos municipais de resíduos, não só o de São Paulo, precisam prever a elaboração de material didático de qualidade, nos orientando, em diferentes situações, como e onde devolver – e, melhor ainda, como não tirar tanto! – recursos naturais de um planeta finito. E produzir menos lixo.

04.11.2013


[1]  A divisão seco e úmido também confunde. Madeira é seca, mas não reciclável...


[1] Bióloga, educadora, diretora da  Menos Lixo – projetos e educação em resíduos sólidos
[2] Na crônica Contemplando o Fogo, 2008.

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